“Até hoje tenho a marca das algemas de ferro. Sai de lá sem visão”
Vítima da Ditadura, Milton Coelho depõe à Comissão da Verdade Política 26/01/2016 14h30 |Por Fernanda Araujo
As torturas sofridas na Ditadura Militar jamais serão esquecidas por aqueles que têm no corpo e na mente as cicatrizes. Alguns dos que sofreram violação de direitos durante esse período obscuro do Brasil começaram a prestar depoimento nesta terça-feira (26), em Aracaju (SE), nas audiências públicas da Comissão Estadual da Verdade, no auditório do Museu da Gente Sergipana. Ao todo, 20 envolvidos serão ouvidos sobre as suas atuações políticas e os momentos de prisão que sofreram, entre eles, Bosco Rollemberg e Wellington Mangueira.
Nesse primeiro dia foi ouvido um dos presos sergipanos que sobreviveram para contar a história, o aposentado da Petrobras Milton Coelho de Carvalho (foto) – que ficou cego devido à pressão da borracha que lhe vendava os olhos. Milton Coelho contou sobre a tortura que sofreu. Para ele é bom ser ouvido para tentar discutir os problemas e educar a população politicamente para que não se retorne à ditadura.
No dia 20 de fevereiro, faz 40 anos que uma força especial vinda da Bahia, sob as ordens do general linha-dura Adyr Fiúza de Castro, prendeu 25 sergipanos. Era a “Operação Deso", popularmente conhecida “Operação Cajueiro”, deflagrada em 1976, em Sergipe. A acusação era de serem ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). “As duas primeiras prisões se passaram em branco, vou dizer assim, eu fiquei 50 dias preso, mas a terceira prisão foi impiedosa, as torturas duraram sete dias”, lembra.
Milton foi levado para as dependências do 28º BC, que fica no bairro 18 do Forte, em Aracaju, e lá aconteceram as mais diversas atrocidades. Quando chegou, sua roupa foi arrancada e lhe colocaram um macacão, vendaram os seus olhos e sob tortura mergulharam a cabeça na água por diversas vezes. Era jogado ao chão com pontapés nas costelas e executados choques elétricos nas partes íntimas, com as mãos presas às do bancário Antônio José de Góis, à época lotado no Banese.“Até hoje tenho a marca das algemas de ferro nos pulsos, a mão inchou. Saí dali sem visão, passei um mês num hospital de Salvador, depois fui encaminhado para Belo Horizonte onde fiz tratamento, cirurgias. Em 1º de novembro de 1977 fui aposentado por invalidez. No mesmo ano recebi o título de 10 anos de bons serviços prestados a Petrobras, mesmo assim o superintendente da Regional do Nordeste, o lagartense Dênio Roberto de Brito Franco, que meu deu a condecoração, foi destituído da chefia SE/AL, e foi jogado para a Bahia, uma perseguição a uma pessoa que reconheceu em mim um trabalhador”.
Em agosto de 1978, Milton foi absolvido das acusações com mais 17 companheiros sergipanos e um do Rio de Janeiro. “A democracia hoje está dependendo muito ainda do nível de educação do nosso povo; nos parlamentos precisamos de pessoas que mantenham comprometimento de superar as questões sociais que vivenciamos. É a estrutura social que permite esse abismo e todos nós sofremos. Só vai melhorar quando houver um trabalho de conscientização política para darmos uma melhor composição ao nosso parlamento e gestores”, critica.
Depoimentos
A comissão estadual tem prazo de dois anos para catalogar os depoimentos e toda a pesquisa de documentos do período de 1947 a 1985, que estão inclusive fora do estado e até dispersos em órgãos públicos e arquivos policiais. As informações ficarão à disposição da população em um Memorial da Repressão Política e Violações Graves dos Direitos Humanos, que será instalado no Museu Olímpio Campos, localizado na Praça Fausto Cardoso, no centro da capital.“Isso tudo será reunido em um registro histórico dos depoimentos para consolidar a memória sobre esse momento sofrido da história política de Sergipe. Esperamos inclusive ações educativas das escolas em torno desse aspecto da história política de Sergipe, já que essa parte da história não foi tão divulgada de verdade”, afirma Josué Modesto dos Passos Sobrinho (ao lado), presidente da Comissão Nacional da Verdade.
Com informações da Assessoria de Comunicação
Fotos: Fernanda Araujo/F5 News
